Asas da imaginação
Por Christina Maria | Sabiá-Laranjeira
“Então, siga logo quem souber/
O caminho para ser feliz/
é viagem pra quem não tem pressa/
o destino de quem sempre quis/
ter alguma luz…”
A ordem natural das coisas (Guilherne Rondon/Paulo Simões),
interpretada por Rodrigo Sater
Asas da imaginação
Era exuberante a beleza
Repleta de natureza
Cores, cantos, formatos
Paralisei meu olhar
Evitei até o piscar
para apenas observar
No afresco da natureza,
o voo das borboletas
pintava com encanto as galhas,
no pouso do repousar
As formigas faziam filas
para o intenso labutar
As abelhas construíam os enxames
num constante zunzunar
Os bichos de camuflar
ficavam a espreitar
se lhes vinham bisbilhotar
Os tatus abriam as bolinhas,
por detrás das folhas secas
Alguns ainda, ao contrário,
se viravam como podiam
Tinha bicho de pular,
bicho de arrastar,
bicho de polinizar.
Bicho que corre, que grita
Bicho que esconde, que voa
Tinha bicho lento
e até mesmo bicho preguiça
O voo da passarada,
o colorido das penas
exibia leveza e beleza,
num bater e fechar de asas
Diversos tipos de ninhos
avistei pelo caminho
Apreciei melodias
que me bicavam os ouvidos
Observei as floradas,
no amanhecer do dia
Flores, folhas orvalhadas,
sereno da madrugada
De concreto, só o ecossistema
que na terra conjuga a vida
com suas variadas formas
Aprofundei meu inspirar
pra tragar a pureza do ar
Era capaz de escutar
o arrastar da folha seca
que o sopro do vento soprava
O sol despontava atento,
espiava por detrás da serra
Decerto espreitava o luar,
queria amarelar
para espalhar seu brilhar
Lentamente, entregava a luz
na penumbra tímida do dia
E no imenso azul do céu
se punha imponente e quente
Por vezes, se escondia,
enquanto as nuvens passavam,
entregando a chuvarada
Em geral, nem se prolongava;
apenas refrescava o calor,
quando suave brisa avançava
Beija-flor beijando flores
Macacos no balanço das galhas
À frente, só o campo verde
preservado na natureza
Avistei uma cachoeira
que despencava o seu véu
Do alto da rocha dura,
água pura, cristalina
que nasce lá na colina
Suavemente descia,
na correnteza de um rio,
pra se agitar junto ao mar
Com os meus pés.
pisava a terra
(terra repleta de vida)
Caminhava lentamente,
sem pressa e nem compromisso
Eu e o meu pensar
Só voltei à realidade,
quando despertei o meu sonho
pra encarar o meu pesadelo
Recolhi as minhas asas:
asas da imaginação…
Me aproximei da janela
Janela de um segundo andar
Pra olhar através das grades
De lá, eu avisto a serra,
a Serra do Curral –
invadida pelo extrativismo,
repleta de edificações
E é pela rodovia,
que o giro das rodas é tenso,
é denso e intenso
Em prol do capitalismo,
o ar é espesso e tóxico
Cheiro de borracha queimada
e de combustíveis fósseis
O barulho é ensurdecedor!
Sabe,
o povo é gente,
gente que pensa e sente
Só que é gente manipulada,
portanto, enganada e massacrada
E o sistema é bruto, é cruel
É um sistema de bolhas,
bolhas pretenciosas
deturpando políticas públicas
para conduzir as massas
É estúpida a realidade
Pra população desassistida,
o sistema nem dá ouvidos
Faltam estruturas básicas:
saneamento, emprego, salário, oportunidades, moradia,
comida, respeito, saúde, educação…
Falta tudo,
ou seja, falta dignidade
O que não falta é promessa
em anos de eleição
O povo quer cidadania,
direitos humanos, ser cidadão
Já leu a Constituição?
E então,
como será?
Tem ser humano morrendo de fome,
o planeta entrou em colapso
e, por favor, Senhor, eu Lhe imploro:
– Afasta de nós “esse cálice
de vinho tinto de sangue”!
“[…] Talvez o mundo não seja pequeno/
Nem seja a vida um fato consumado/
Quero inventar o meu próprio pecado/
Quero morrer do meu próprio veneno […]”
Cálice, canção composta por Milton Nascimento e
Chico Buarque de Holanda