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“Amor pra recomeçar”: sobreviventes e sobrevoantes

Player para clicar na setinha e escutar.
Tempo de leitura: 19 minutos e 03 segundos.

Transcrição da leitura em áudio [1]: 

– Olá, você está ouvindo o SabiÁticast, Podcast do Coletivo Literário Hoje a passarinho. Ao toque de dois cucos escute a leitura de um post publicado em nosso Blog Pena em Liberdade.

(Efeito sonoro: Som de Cuco, pássaro que canta duas vezes, em meio à cantoria de outros passarinhos).

O título da publicação:

“Amor pra recomeçar”: sobreviventes e sobrevoantes

  • Por Marcela Teófilo (Escrita e leitura)
  • 25 de janeiro de 2024
  • Categorias e subcategorias: Biblioteca Digital; Cirandateca; Sobre-viventes e sobreVoantes

Audiodescrevendo a imagem de capa: No primeiro plano, de cima em baixo, foto com grade quadriculada e enferrujada. Na parte central, uma flor amarela que brotou em meio ao concreto atravessa a grade. Ao fundo, muro de chapisco.

Na travessia da vida, há pessoas que são atravessadas por circunstâncias extremas e nocivas. Elas necessitam sobreviver às adversidades com que se depararam.

Nesse sentido e no presente artigo, o “amor pra recomeçar” salta do poema “Desejo”, escrito por Victor Hugo [2]. 

Amar a oportunidade de conhecer os novos desenhos apresentados por um caminho existencial repleto de obstáculos potencialmente fatais é como sobrevoar, isto é, aprender com as experiências dolorosas e persistir na constância dos pequenos avanços. 

Levando em consideração que vêm temas sensíveis por aí, se o dia estiver difícil, considere voltar num momento mais tranquilo. Agora, caso esteja se sentindo bem, basta continuar conosco e boa leitura ou escuta!

Sobre-viventes e sobre-voantes: Como assim?

Sobre-viventes e sobre-voantes, com hífen, são termos customizados por nós em prol da expansão dos saberes a respeito de indivíduos e comunidades que quase entraram em extinção e sumiram da face da Terra.

Gente que anda e bicho que voa, em meio a sobrevivências e sobrevoos, deparando-se com desafios transformadores.

Na trajetória de quem não sucumbiu às guerras, violências, adoecimentos e demais intempéries de peso, complexas marcas confirmam: Nada ou quase nada será como antes [3].

Contudo, reconhecer a importância de repousos, consentimentos informados, laços afetivos, criação de rotas cuidadosas e reparações que respeitem aqueles(as) que recomeçam é o princípio de grandes lições. 

Ousamos dizer que testemunhar o recomeço de si e/ou de entes queridos nos aproxima de uma altura mais elevada e nos direciona para, tal como o condor e a águia, enxergar as relações a partir de um plano maior.

Você já passou por isso ou acompanhou amores e amizades num trajeto parecido? Qualquer que seja a sua resposta, apenas continue e dê asas pras próximas linhas te tocarem e te estimularem!

Depois de sobreviver, a chance de sobrevoar…  

Citar e recitar um conhecido poeta, com uma seleção de versos adaptados na canção “Amor pra recomeçar” [4], de Frejat e parceiros, sinaliza e alarga os rumos da nossa prosa:

“Desejo que você descubra, 
com o máximo de urgência, 
acima e a respeito de tudo, 
que existem oprimidos, injustiçados e infelizes, 
e que estão a sua volta.”

Victor Hugo — Atenção: abra o link informado no final e confira a polêmica sobre a autoria do poema “Desejo”!

Eis como decidimos nos aproximar das vivências e afetos compartilhados por seres que abraçam uma espécie de autorização para seguirem em frente, soprando a brasa da própria vitalidade.

Quer conferir links e referências das iniciativas e conteúdos aqui mencionados? 

Lá no parágrafo final, deixaremos um acesso organizado meticulosamente para você que aprecia se jogar em leituras complementares.

Não são poucas as crenças e rótulos em redor de corpos feridos, de emoções e mentes em choque, quer dizer, dos bons combates, crises e quebras de alto impacto nos percursos e respirações que resistem.

Se você já começou a se lembrar de rostos sobreviventes, leve suas memórias para um passeio de 5 destinos, desejos poéticos e alternativas para se solidarizar ainda mais com a situação em foco:

1. “Desejo primeiro que você ame […].”

  • Quais serão os desafios de amar, desde o indispensável amor por si, tendo perdido familiares, casa, saúde, vontade, isto é, praticamente tudo?
  • O Jornal A Sirene [5] registra e veicula vozes de pessoas atingidas na barragem de Fundão que se rompeu em Mariana, Minas Gerais, no ano de 2015. Sobreviventes dessa tragédia, ainda hoje em apuros e impasses, clamam pelos próprios direitos, fazendo do periódico um meio de comunicação, informação e reivindicação perante as mineradoras Samarco/Vale/BHP – responsáveis pela degradação.
  • Catástrofes e calamidades socioambientais deixam rastros de destruição em populações e ecossistemas inteiros. As causas, repercussões e intervenções variam. Para quem fica, resta a invariável direção de ressurgir das cinzas, dos lutos e da precariedade.
  • Contaminações como Chernobyl, no atual território ucraniano, bombardeios atômicos em Hiroshima e Nagasaki, exposição ao Césio-137 em Goiânia, vazamento de óleo na Baía de Guanabara, uso de mercúrio para garimpo ilegal nas terras habitadas por indígenas Yanomami, entre Roraima e Amazonas: eis alguns outros exemplos desse tipo de fenômeno lamentável. 

2. “Desejo também que tenha amigos […].”

  • Como gente amiga e comunidades aliadas se posicionam enquanto potentes redes de apoio nos processos e esforços de sobrevivência?
  • Descontinuidades em questões de ordem prática como trabalho, finanças e demais necessidades básicas viram tudo de ponta cabeça. Parentes, cuidadoras e cuidadores que tomam frente e contemporizam tamanho caos necessitam de suporte.
  • Na qualidade de recurso on-line, a Enciclopédia do Museu do Holocausto [6] se destaca em número de visitas e abrangência de fontes para agentes de pesquisas escolares, universitárias, jornalísticas e afins. 
  • Pelo planeta afora, não são poucos os territórios, sobreviventes de guerras e descendentes de sobreviventes que conheceram os terrores de um genocídio, cuja definição da ONU descreve como “extermínio deliberado de um povo por razões étnicas, militares, religiosas ou culturais” [7]. 
  • Em nosso país (o Brasil), enfatizamos memoriais das opressões políticas da Ditadura Militar [8] como alertas quanto à urgência de que as instituições e a consciência crítica se fortaleçam, evitando a repetição de mortes por abusos de poder e retrocessos na liberdade de expressão. 

3. “Desejo depois que você seja útil […].”

  • Parece óbvio, mas tem que ser perguntado: Você acha que pessoas acessariam tantas habilidades e práticas demandadas pela sobrevivência se não tivessem conseguido sobreviver? 
  • O Centro de Direitos Humanos de Usuários e Sobreviventes da Psiquiatria (CHRUSP) [9] é dirigido por sujeitos usuários ou sobreviventes de redes de serviços. Defender, implementar e monitorar direitos humanos no horizonte das vivências ou rotulações de loucura, desafios de saúde mental ou traumas é o objetivo geral desse trabalho.
  • Capacidade legal plena, abolição do desrespeito às decisões terapêuticas de pacientes sobre tomar ou não tomar drogas psiquiátricas, bem como da prática de eletroconvulsoterapias forçadas e o encarceramento em instituições de caráter manicomial participam da missão da organização que atua articuladamente em nível global.
  • Mencionamos ainda, grupos de leigos com saberes experienciais e/ou profissionais que se reúnem em diversas frentes, encarando a denominada “epidemia de drogas psiquiátricas” [10]. É alarmante que a Saúde Coletiva esteja ameaçada, por causa dos deslizes envolvidos em tratar questões da existência humana como sintomas médicos, inadvertidamente administrando comprimidos e cápsulas que não só disparam efeitos colaterais preocupantes como podem deixar danos duradouros e/ou crônicos.
  • O negacionismo antivacina observado na Pandemia de COVID-19 é tão preocupante quanto a convicção dos grupos de especialistas que negam as complicações de medicalizar, medicamentalizar e patologizar [11] a vida, fingindo que as violências e injustiças sociais não agem como disseminadoras do desespero e do sofrimento. As soluções prioritárias para má distribuição de renda, desemprego, fome e afins não estão à venda nas prateleiras das farmácias!

4. “Desejo ainda que você seja tolerante […].”

  • Topa compartilhar sonhos e improvisar cirandas provisórias, praticando discordâncias pacíficas e amistosas, no intuito de ampliar o repertório de compreensões e interromper cruzadas de desumanização?
  • A Associação Brasileira dos Sobreviventes Enlutados por Suicídio (ABRASES) é uma associação civil, sem fins lucrativos [12] criada por sobreviventes enlutados devido ao suicídio. 
  • A ABRASES tece uma rede para acolher e promover ações com pares que necessitam amenizar os danos de perdas por suicídio.
  • Sensibilizar no tocante à prevenção, amparar, informar sobre trâmites burocráticos e incentivar o respeito pela memória de quem partiu num ato de autoextermínio, de maneira semelhante ao que se passa com pessoas falecidas em decorrência de comportamentos tidos como desviantes (crimes, dependências químicas…) [13], é de suma importância para que entes queridos vivam seus lutos com dignidade.

5. “Desejo também que você plante uma semente […].”

  • Você permite que a sua história se encontre e, de mãos dadas, cirandeie com outras histórias e travessias de múltiplas violências?
  • O Hoje a passarinho é um Coletivo Literário [14]. Hoje, a passarinho, companheiras que se encontram em torno do projeto Fiapo compõem o Coletivo Literário para espalharem escritas, leituras e escutas, num serviço de utilidade pública coletivamente financiado [15]. Dos fatos aos artefatos, nos contextos adversos de quem peita travessias de situações-limite como  sobrevivências à “psiquiatrização” [16], isto é, ao acolhimento indevido da violência sexual contra crianças, adolescentes e mulheres, registrando diversas vozes mais silenciadas do que silenciosas, nós passeamos e passarinhamos. 
  • Adiante, detalharemos a vocação do Hoje a passarinho.

Sem dúvidas, as menções acima correspondem a um incentivo para que leitores, leitoras ou ouvintes se atentem para o enorme leque que se desdobra do sobreviver, sobrevoando por algumas aberturas.

Audiodescrevendo a primeira imagem que aparece no corpo do blog post: Foto de tinteiro e pena de metal adornada com pena de pássaro vermelha, na superfície de papel claro que contém texto caligrafado e gotas de tinta. Os instrumentos estão sobre uma mesa de madeira.

Penas (e penares!) em liberdade 

ConDor é uma narrativa (auto)biográfica [17] que transborda a história de quem a escreveu e, na condição de falha sociocultural, acaba repetindo alguns de seus elementos nas histórias de milhares de crianças, jovens e mulheres.

O ato de espalhar escrita criativa cravejada de dilemas reais convida comunidades literárias, científicas, educadoras e todo mundo que se interessa por reunir repertórios, prevenindo múltiplas violações:

“A passarinho”, cada sábia transformação nos posicionamentos individuais e coletivos, cedo ou tarde, encontra seus modos de fazer valer a pena. Afinal, sempre haverá quem se importe em desengaiolar lições de fato importantes, corajosamente deixando que voem as mensagens contidas no cerne dos nossos penares…”. – Narrativa curta da autoria de Marcela Teófilo, ConDOR está disponível para leitura no perfil @hojeapassarinho [18], do Instagram, e no ambiente virtual da Trema. [19]

Tirar conclusões apressadas, preconceituosas e discriminatórias, tomando um grupo de teorias centralizadoras como verdades absolutas: vale a pena prejudicar pessoas e acrescentar prejuízos a trajetórias já extremamente desgastadas?

Nesse fio, acompanhe um tripé de ponderações costumeiramente descritas como as mais esquecidas por quem lida com sobreviventes:

1. Dor e sofrimento

  • Dor não é sinônimo de sofrimento. Sobreviventes não necessariamente sofrem pelo convívio diário com uma mistura de dores. Aliás, o não reconhecimento comunitário dos desafios da sobrevivência sim: tende a agravar tanto dores como sofrimentos em curso.
  • Tomar a presença dos sofrimentos apenas como abalos na saúde  mental dos indivíduos, sem nunca trabalhar por justiça social, equidade de condições políticas, econômicas, direitos humanos, reconhecimentos e reparações contribui para nunca cortarmos as causas das violências pela raiz, potencializando crueldades.  

2. Inquietação e desassossego

  • Algo que nos inquieta não deve ser resumido a um sintoma de ansiedade. Aliás, inventos fabulosos surgiram de indivíduos inquietos e ávidos por tornarem realidades mais tranquilas, belas, leves, justas…
  • No posfácio do “Livro do Desassossego” [20], o escritor Tiago Ferro escreveu que o desassossego deriva da instabilidade e não de uma atitude pessimista. Quando Bernardo Soares, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, registrou “A minha vida é uma febre perpétua, uma sede sempre renovada” [21], a Europa se transformava continuamente por guerras e pela ascensão do nazi-fascismo. Portanto, sobreviver a conflitos, violências, pandemias e paisagens desestabilizadoras similares configura um justificado cenário de desassossego.

3. Lutos e danos

  • Respeitar o luto como itinerário pessoal e intransferível a ser percorrido perante rupturas, perdas e mortes, acolhendo-o sem precipitações para rotulá-lo como doença faz com que as pessoas escutem e percebam a si e as outras com muito mais sensibilidade e sabedoria [22].
  • Cotidianamente, os danos testam sujeitos que sobreviveram, levando-os a reviver memórias assombradas. Tratam-se de incômodos em vários setores como nas dinâmicas sociais, nostalgias e declínios referentes ao corpo etc. Sobreviventes não escolhem se vão ou não carregar danos consigo. Tanto mais sabendo que, caso não alcancem as condições apropriadas e os acolhimentos devidos, danos tendem a se agravar e complicar até mesmo os quadros mais simples.

Enfim, a luz e os pássaros que atravessam o prisma da imagem de perfil do Hoje a passarinho nas redes sociais, localizada após este parágrafo, destaca que refletir a respeito da sobrevivência encaminha a revelação de perspectivas distintas e multicoloridas.

Um Coletivo Literário — Abrindo espaços de viver para além de sobreviver

Dá pra viver e sobrevoar as fragilidades depois de ter sobrevivido às devastações? 

Nosso Coletivo Literário nasceu impulsionado pelo Movimento Popular da Mulher (MPM) [23] e pelo diálogo com dezenas de entidades, movimentos, institutos, centros, núcleos, organizações, grupos e parcerias [24].

“Não andamos sós nisso de dizer SIM à continuidade das vidas de quaisquer sobreviventes.” 

Coletivo Literário Hoje a passarinho

Por que  problemas demarcariam o fim da linha?

Recentemente, dentre os cortes [25] que viralizam nas redes sociais, nós demos de cara com o trecho de uma entrevista na qual o cantor, músico e compositor Roger Waters recorda um vivido dos tempos de garoto.

Admirado como integrante da banda Pink Floyd e polêmico pela frequente atuação em causas humanitárias, no conteúdo audiovisual o artista narra uma fala, um conselho de sua mãe ao vê-lo preocupado.

Imagine aquela que gerou e criou o jovem em vias de se tornar uma estrela do Rock, advertindo sobre a sucessão de numerosos problemas difíceis e que demandam tomadas de decisões ao longo da vida…

Roger destaca os argumentos usados por ela, tão oportunos para um adolescente e parafraseados logo a seguir:

  • Leia, leia, leia tudo e mais um pouco sobre o que estiver lhe causando inquietação;
  • estude história a partir de diferentes fontes, inclusive aquelas das quais você discorda; e
  • após leituras e estudos, note como a questão se resolverá, pois você alcançará o preparo para decidir assertiva e certeiramente.   

Quem pratica os tópicos acima resumidos, no momento em que busca se informar via Internet, enfrenta determinadas barreiras.

Isto porque há assuntos que não aparecem no ranking dos buscadores. E as fontes duvidosas? A desinformação usa um bando de máscaras que se mantém irreconhecíveis para um tanto de internautas.

Publicações autorais, artefatos, resenhas de ítens da nossa Livraria e sebo [26], indicações de textos, áudios e vídeos que enfatizam as peculiaridades, os compartilhamentos…

Poemas, contos, crônicas, ensaios, colunas, podcasts e por aí vai: os registros acontecem em uma variedade de formatos e linguagens. 

Prontuários, manifestações, atas, circulares, releases, divulgações jornalísticas e o que for: documentos e escritas de ordem mais técnica, burocrática e informacional nos interessam igualmente.

Deve-se reivindicar coerência e correção no registro e no arquivamento das vozes escutadas. 

As escutas dos relatos daqueles e daquelas que sobreviveram e sentem na pele os golpes de injustiças sociais em série, as camadas de violações, frequentemente, carecem de profissionalismo e preparo.

Pensando nisso, janelas que fazem as vezes de prateleiras, na Biblioteca Digital do nosso Coletivo Literário funcionam como portais mediadores de escritas, leituras e/ou escutas contínuas, sensíveis e acessíveis sugeridas por blog posts periódicos como este.

Curtiu nossa audaciosa atitude? De repente, a vontade de conhecer melhor o Projeto e um tempinho disponível sejam tudo o que você precisa pra mergulhar na nossa Biblioteca e nas referências que nos auxiliaram até aqui. Por isso, em vez de tchau, te dizemos:

Até o próximo clique!

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